COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 155 - 21/7/2014
(próxima: 6/8/2014)


          

Recomeço

Parte I

        Recomeçar é sempre difícil. Difícil, extenuante e por vezes mexe com nossa auto-estima. Estou falando do intelectual e do literário. Muitas vezes olhamos tudo que empreendemos para trás, um mundo que construímos com sacrifício, valor persistência e garra. E de repente vemos que àquela altura devemos recomeçar.
        Não sei quantas pessoas vemos recomeçar em vários campos da vida. Porque não recomeçarmos sempre literariamente falando?
        Sei que enquanto apenas os elogios nos habitarem e nos acomodarmos  estagnaremos cruelmente. E não há nada pior do que o morno da vida, a falta de vibração e entusiasmo  em nome de algo que já conseguimos.
        Estava recordando justamente, uma conversa que tivera com meu pai há muitos anos. Durante o jantar eu vira os mais velhos comentando sobre a necessidade de um profissional ultrapassar sempre, estudar cada vez mais e ir galgando com a experiência e o estudo patamares realmente adequados.
       Pouco depois entendi que se tratava de um médico, um dos mais famosos do Rio de Janeiro. Perguntei a meu pai a razão do comentário e ele me disse algo que jamais esquecerei.
       — Minha filha, nunca estaremos evoluídos o suficiente se pensarmos que já sabemos tudo. Temos sempre até o fim da vida algo a aprendermos. Só aproveitamos 10% de nosso cérebro e do que poderíamos utilizá-lo. Mas o que mais poderá fazer-nos retroceder é a certeza que já sabemos tudo.
        Durante alguns dias tenho pensado nisso e nessa certeza importantíssima de nossas vidas. Viajo no tempo, caminho, ando por lugares desconhecidos, fazemos de tudo, mas jamais teremos a mesma vibração se resolvermos parar em novos conhecimentos e experiências em nome de que já estamos prontos. Jamais estaremos prontos. Nunca! Em momento algum ou é melhor morrermos de uma vez.
        A vida é um eterno e fascinante aprendizado, mas quero crer que aquele orgulho ali escondido em nossas mentes nos faz ter essa idéia de realização completa. Não estarei realizada nunca, e buscarei sempre novos rumos cujos horizontes sejam realmente reservas de esperanças, valor, qualidade e verdade.
        Contemplo tudo que já fiz na minha vida, releio os meus escritos, tento entender muitos pensamentos ali registrados, sinto-me por vezes como se estivesse enunciando aqueles preceitos e a conclusão que aparece ante meus olhos é de recomeço.
        Recomeço não para anular tudo que fiz, mas para reavaliar imprimir mais qualidade, sensações ainda mais profundas de afetividade e de ternura, e continuar sempre com respeito aos semelhantes, mais percepção, discernimento, uma inspiração progressiva e potencialidades aperfeiçoadas.

 


Parte II

        Falei do recomeço literário e intelectual, mas agora é de um recomeço ainda mais profundo.  Recomeço de esperanças de alegrias, de atitudes, de sensações e de vida propriamente dita. Aquele instante que olhamos para dentro de nós mesmos e não compreendemos porque prosseguimos nos mesmos passos e com o mesmo ritmo.
        Esse é o momento mais difícil em que precisamos  nos conscientizar, olhar para frente e entender, o quanto precisamos reformular modos de vida e conceitos em relação ao hoje e ao amanhã. E compreender o que passa dentro de nós mesmos, superando os pequenos instantes de indecisão.
        Nesse momento olho para dias passados e não consigo ou não quero recordar o ontem que chamuscou, mas deu vida, escureceu iluminando e fez com que minha alma estivesse sempre em ritmo de alucinante movimento, mas eram dias esparsos, em que procurava apesar dos tropeços harmonizar a caminhada e procurar o equilíbrio.
        Agora, nesse exato momento ando por caminhos misteriosos e me dou o direito de pela primeira vez dizer um não, de pensar no que constitui para mim a essência da vida e de encarar um instante de egoísmo com a mesma isenção com que enfrentei e disse sim a muitos acontecimentos difíceis e que  pareciam intransponíveis.
        Nessa progressiva regressão de pensamentos, fecho os olhos da alma e embarco profundamente, esquecida de quem sou e  como vim, de que forma estou agora, dissecando meu eu interior e procurando entender o mundo em geral e as pessoas que o habitam.
        E faço um   retrospecto que não deixa de ser fascinante analisado sob certos prismas incertos e pontiagudos. Quando depois de muito tempo abro finalmente os  olhos eu me vejo em volta com outra civilização e os sentimentos parecem ser mais profundos em busca de uma solução comum.
        Tudo que quero nesse momento é voltar à minha reflexão e tirar elementos que ainda não foram cultivados, talvez nem mesmo plantadas para que resultem  na seiva com a qual pretendo me agasalhar.
        O recomeço é a única forma de fortaleza que se encontra disponível  quando o planeta parece um oásis de violências, incompreensões, egoísmos, pobrezas e até a ameaça contundente de uma fria e dolorosa guerra.  Ele faz com que as pessoas reavaliem tudo que está aí e opte pela esperança, nobreza, solidariedade e qualidade de vida, percorrendo cada dia com mais intensidade e menos descaso. Com menos desprezo e mais amor, com vibração e sem indiferença.
        Recomeço daqui as minhas reavaliações para chegar a um consenso pessoal que  espero, seja uma das formas de compreensão mais apurada de mim mesma e dos que me rodeiam. E possa entender, vibrar e sentir  que a reformulação iniciou seu processo abrangente e eficaz na procura de um mundo e de sentimentos mais amenos, partindo do nada e caminhando para um leque que se abrirá em esperanças e  realizações.
        Minha alma esperou até agora. E já ansiosa parte para essa nova experiência com a vontade férrea que propiciará novos dias de contradições, talvez, porém e certamente de um mundo mais perceptível, valoroso e transbordante de verdades saudáveis e flexíveis.
       Resta-me apenas saber se é possível iniciar.  E de que maneira.


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