Cultos aos mistérios do passado
na vivência do mundo de agora
lembranças da encarnação no Sul da Índia (como Tamul Nadu) com reflexões místicas sobre sua vida atualCOLUNA QUINZENAL DE CLARISSE DE OLIVEIRA
autora do livro “Mistérios” (Ed. Europa)
O TEMPLO QUE CONTEMPLO
Desde criança, eu via uma praça de aldeia com um templo. O templo era a construção mais rica do aldeamento pobre. Eu constatava montanhas baixas ao fundo do templo. Outra coisa que me ficou na memÓria, foi um grande pátio retangular, sem o lago, e ao fundo, uma montanha baixa marron.
Eu era muito criticada e servia de chacota para os companheiros adolescentes. Quando meus pais morreram - eu, que nunca quis casar, mas tive uns namorados - resolvi ir à Índia. Eu conhecia uma família de Verona e Leslie, na época com vinte e seis anos não quisera morar no Brasil. Leslie era guia turística. Fui ao encontro dela em Verona.
Eu sabia que tinha de ir para o Sul da India, pois as Devadases só existiram no Sul. Em Verona, folheando um livro de turismo, deparei com uma palavra: Madurai. Tive um grande choque quando li "Madurai" — na Índia do Sul, no Tamil Nadu.
Em Madurai, percorri muitos templos... mas não identificava o que eu via desde criança. Por fim, me dirigi à um dos taxistas que ficavam no patio do Hotel:
—- Você sabe onde fica um templo dedicado ao deus Shiva, com umas montanhas atrás?
—
Sei sim senhora. Fica fora da cidade, mas amanhã, eu levo a senhora lá.
No dia seguinte, estavamos diante de um templo não muito grande em comparação aos que vi em Madurai.
Entrei, descalça, olhando para o chão sujo de excrementos de morcego e pombos. De repente, algo me tocou... me senti rainha daquilo tudo... ergui a cabeça, olhando as paredes, o altar, entrando como louca, nos compartimentos permitidos a uma ocidental — em PRANTOS!
Desci para o andar de baixo e vi agora o pátio retangular, coberto de água — virou lago, e, lá no fundo, a colina marron...
O templo era consagrado ao deus Murunga, um filho do deus Shiva.
Está calor no Tamil Nadu. Os mestres de música e hinduismo, na pequena sala junto ao recinto, onde se acha o altar, estão subjugados pelo intenso calor. A floresta que rodeia o Templo de Murunga, rasgada aqui e ali pelas colinas rochosas, não é bastante para refrescar a tarde de verão.
As baiaderas, acostumadas a andar descalças, têm as solas dos pés ásperas pelos passos de dança sobre as rochas do chão, e não sentem magoar o pés. Um vento tão quente como brasas sopradas curva agora as árvores e faz os pavões e os macacos buscarem abrigo nos corredores externos do Templo, onde colunas de pedra sustentam seus tetos.
O perfume dos defumadores se desmancha na atmosfera levantada pelo calor e o vento que invade todos os ambientes. As mãos se cruzam sobre os peitos, onde o coração pulsa entre as mãos dos Devas: a entrega da alma à Krishna, que sopra a Kundalini para o chakra entre os olhos.
O corpo se transforma numa transparencia de luz vermelha, onde até o ar impelido pelos sorvos da Yoga Sagrada eleva a atmosfera da Devoção ao Explendor da Massa Ígnea Cristã. A imersão na Devoção ao Cristo, nos retém, fazendo nos perdermos quase Infinitamente....
A volta ao Mundo Terra é como centenas de carruagens trazendo os deuses para a consagração de uma única Alma, no que Ela vale naquele momento indescritivel...
Não é a Catedral que circunda o Homem, mas o Homem que envolve a Catedral. No interior do Templo, o homem expande sua devoção, absorve seu conteúdo, mas não o encarna: são dois — a devoção e a Catedral. O homem deve utilizar o poder devocional que dissolve a matéria da Catedral, atigindo o objetivo do templo, que é a Devoção no interior do Coração do homem — e é tão forte o poderio dessa Devoção, que o homem comanda o objetivo do templo. Sacerdote de Si mesmo, é o Purusha de Deus.
A função num Templo transforma a dedicação do Sacerdote num ambiente de revelações. O Sacerdote ou a Sacerdotisa descobre isso, e, sedentos de mais descobrimentos, eles transformam suas vidas em prol dos deuses. Os freqüentadores do Templo rezam, mas não comungam com os deuses — acham que não têm essa obrigação. Os parentes que visitam os Sacerdotes são bemvindos, pois lhes trazem o aconchego da familia, o que é sempre um carinho; mas não chegam à compreensão daquele que se comunica com os deuses.
Os Sacerdotes ouvem uma porção de opiniões, que nada têm a ver com o desempenho sacerdotal, e aos poucos se encontram num Mundo que os coloca numa Vida segregada da existência cotidiana das famílias. A Sacerdotisa não é uma egoísta, ela também não é solitaria, pois participa da matéria dos deuses. Porém o Mundo está dividido em Dois: o Mundo da Sacerdotisa é incompreendido pela Vida de fora, e o Mundo de Fora não penetra nem em pensamento no Mundo daqueles que decifram os designos divinos. Ontem mesmo, ouvi algo parecido: uma amiga referindo-se ao momento dificil que passa uma conhecida comum, disse: — A gente não condena porque tem a Religião.
A Religião, com suas cerimônias, suas procissões, está muito longe do parentesco com os deuses. Se a Sacerdotisa vier a se apaixonar por um homem comum, ela fará todo o possível, para transformá-lo na familia dos deuses — e amá-lo dentro desse âmbito. Se não conseguir realizar isso, ela se afastará... O Mundo não lhe responde mais...
A atmosfera de um Templo, aquele com quem temos afinidade, deve ser revelada e atada à consciência do que valemos para aquele santuário: isso porque realizamos o nosso Céu aqui na Terra. Se ao frequentarmos o Templo não trabalhamos para revelá-lo no que cremos nele, será sempre uma pergunta sem resposta, "as nossas preces, às nossas conversas com o deus ou santo no Templo entronisado". O Céu, o campo que habitaremos após nossa transição (morte), deverá ser construído aqui na Terra, para não entrarmos como estranhos no planeta espiritual para o qual somos designados pelo desempenho terreno.
O Templo que eu servi na minha última encarnação na Terra fica a 8 km de Madurai, e tem fama, pelo Sul da Índia, de ser indicado por muitos "milagres" — esse Templo é milenar e já existia por ocasião das disputas entre famílias de realeza que originaram o Bagavad Gita (diálogo do Deus Krishna com o condutor de seu carro, Arjuna). Eu própria ou testemunha de um milagre: minha amiga Ingrid, colega de colégio na infância, nos seus sessenta e poucos anos, teve um tumor maligno no cérebro — um tumor, não, cinco tumores, um, do tamanho de um limão — inoperaveis, pelo lugar em que se localizavam. Quando recebi a notícia, veio acrescida de um aviso: só tem seis meses de vida. Acontece que Ingrid era atéia e muito apegada à vida — os netos de seu filho único, estavam nascendo e ela queria usufruir da companhia deles — por isso, me pediu: — Eu quero ainda viver um pouco mais... Conduzi-me em pensamento ao Templo no Sul da Índia, e diante do altar principal, pedi com todas as minhas afinidades cultivadas em sua atmosfera espiritual, roguei um tempo maior para Ingrid, se fosse possível. Ela viveu mais dez anos, com remédios para amainar as convulsões, algumas sessões de rádio que reduziram os tumores em 80%, e sessões de quimioterapia.
Interessante... pensando neste episódio, e agora com problemas sérios com alguns amigos, pedi, com todas as forças cultivadas e mantidas pelos rituais hindús praticados no Templo, por esses amigos, à deriva na vida, com velhice, falta de moradia, doença, pouco dinheiro, trabalho oneroso para a idade do casal poder se manter... E olhe o milagre: ao abrir o computador, as colunas do longo alpendre na frente do templo, começando com as duas colunas que ladeiam a entrada, estão com reflexos de luz, na escuridão que se matinham na foto colorida! Recebo esse acontecimento como um carinho pelos dois séculos em que me cultivo e mantenho na atmosfera sagrada do Templo de Murunga, em Madurai!