Christina M. Herrmann é poeta, webdesigner. Carioca, vive atualmente na Alemanha. Comunidades no orkut: "Café Filosófico das Quatro", "Sociedade dos Pássaros-Poetas" ambas de entrevista e "Orkultural" em parceria com Blocos Online.
Endereço do Blog, reunindo todos os seus sites e comunidades:
http://chrisherrmann.blogspot.com
Coluna 62 - 1ª quinzena de abril
próxima coluna: 24/4
UM CONTO E DUAS CRÔNICAS
A talentosa poeta e cronista Lenise Marques nos surpreende sempre positivamente com suas interessantes reflexões. Nosso destaque de hoje vai para três trabalhos seus; um Conto e duas Crônicas, coletados na comunidade CAFÉ FILOSÓFICO DAS QUATRO.
Boas leituras a todos e até a próxima quinzena.
* * *
Iara e o horizonte
Lenise Marques
O dia ainda não nasceu, o sol insinua-se já por entre dois morros tingindo de lilás o horizonte. Iara fica um momento imóvel sobre o cavalo. Ajeita melhor o pala de lã uruguaia sobre os ombros, o frio é inclemente e o Vento Minuano sopra seu pungente lamento.
Os olhos da menina embebem-se da paisagem, lilás, verde, verde, verde...
- Iara porque tu selastes o baio? O baio derrubou o Tonico ontem, ele é peão experiente e tu só tens 15 anos! Fala seu pai, aproximando-se.
- Ora pai, o Tonico pode ser experiente mas não soube controlar o baio. A menina responde com um sorriso. Os dentes brilham muito brancos e o pai mais uma vez cede.
A menina consegue tudo o que quer. Inclusive levar o gado para a invernada junto com os homens, ao invés de ficar em casa com as outras mulheres. O pai pensa desconsolado que não sabe o que fazer com ela.
Conseguir que fosse á cidade estudar foi um custo, que usasse vestidos só foi conseguido com muita insistência da mãe, mesmo assim ela os abandonava pelas bombachas logo que voltava ao campo. Qual homem irá querer casar com esse serzinho selvagem pensa ele, os olhos fitos em Iara que está cercando, junto com os cachorros e mais um peão uma rês desgarrada.
Mas a perícia da menina sobre o cavalo acaba por enchê-lo de orgulho e ele não consegue evitar um sorriso.
Amanhã terminam as férias escolares e Iara voltará para a cidade. Vamos ver se conseguimos ajeitar essa selvagemzinha. E com isso ele arremata o pensamento e vai tocar o gado.
No outro dia ele leva Iara à cidade para o reinício das aulas.
Na escola, Iara, já se encontra em sala de aula sentindo-se extremamente desconfortável dentro do uniforme feminino. Olha para as unhas sujas e leva um susto vendo que não lembrou de limpá-las.
- Jovens! A professora fala. - Deixem eu lhes apresentar um novo aluno. O nome dele é Diego e ele está chegando da capital. Vamos falar Bom Dia ao colega:
- Bom Dia!! Todos saúdam e o menino entra na sala.
Iara não consegue fechar a boca depois da última letra do bom dia. A impressão que tem é que na sua frente está um daqueles anjos que viu nos quadros na casa de seu Orestes: O rapazinho tem os cabelos castanhos cacheados e os olhos mais azuis que ela já viu em sua vida, seus olhares se encontram e...algo de muito especial acontece. Iara sente a boca seca, o coração querendo saltar pela garganta e as mãos suando muito..apaixona-se! Como só acontece aos 15 anos: imediatamente, á primeira vista, desesperadamente! A menina torna-se adulta. O ser até então praticamente assexuado torna-se mulher! Ela está paixonada! E fará tudo para conseguir o objeto de seu desejo.
Nos próximos anos Iara dedica-se a conquistar Diego. Transforma-se! Muda a maneira de vestir-se, caminhar, tudo. Esquece os cavalos e as lides do campo. Torna-se íntima dos objetos do universo feminino: xampús, esmaltes, roupas.
O rapaz deixa-se conquistar, mas conforme torna-se homem adquire segurança e não se deixa dominar pela personalidade forte de Iara. Casam-se e apesar do amor a convivência é difícil.
Ao final de 10 anos Diego pede o divórcio e casa-se com a secretária.
Iara casa-se novamente, apesar do temperamento difícil ela é irresistível para os homens pois é bela e tem um brilho especial no olhar que a faz única.
Casa-se 3 vezes ao longo dos anos, tem 2 filhos, faz duas faculdades, pós-graduação, é feliz mas sempre sente que falta algo....
O tempo segue seu caminhar inexorável e passam-se os anos...
O dia está terminando, o sol se põe entre dois morros, tingindo de vermelho e laranja o horizonte. Iara fixa seus olhos no horizonte, no seu amado horizonte. A temperatura é amena pois é setembro, ela ajeita uma mecha de cabelo grisalho que escapou sob o chapéu. Os raios do sol poente brilham na pelagem negra do alazão que ela monta...
Muito custou comprar de volta a fazenda, mas ela o fez. Pensa no último marido falecido, nos filhos já formados e casados, nos netos.
Sorri! Porque ela saiu daqui? Se isso era tudo que ela sempre queria? Se seu coração selvagem só aquieta-se na imensidão? Se ela precisa dos horizontes para sentir-se livre?
Felicidade, é isso que ela está sentindo,liberdade, sensação de pertencer ao lugar.. e sai galopando em direção ao sol que se põe. E a tarde cai em cores no crepúsculo...vermelho, laranja, verde, verde...verde.
O CISNE
Lenise Marques
Dia desses eu estava tomando café na minha padaria costumeira e uma coleguinha de um de meus cursos (eu sempre estou fazendo 2 ou 3 cursos de alguma coisa) perguntou se podia sentar comigo. - É claro que pode. Respondi.
É uma menina de uns 14 anos, super tímida, até fiquei surpresa de ela querer companhia!
Entre um gole de café e uma garfada de bolo fomos conversando, e ela foi se soltando...começou a contar do que gosta, que lê um monte, que escreve poesias...fui ficando mais e mais surpresa. Aquela menina de 14 anos estava lendo Camões!!! Falamos de diversas coisas e eu cada vez mais impressionada com tanta cultura em alguém tão jovem.
Perguntei como era o relacionamento dela com os jovens de sua idade e ela ficou triste. Não tem amigos e o pessoal da escola a chama de 'CDF".
Parecia que eu havia entrado em um túnel do tempo e estava falando comigo mesma quando eu tinha essa idade. Lembrei de como eu não me adaptava, como mentia sobre minhas notas (para menos, pode?). Como não havia ninguém para conversar!! E como é sofrida a solidão quando a gente é jovem e imaturo e tudo que se quer é ser como todo mundo, e... não se é.
Conversei muito com ela, porque eu entendo a situação perfeitamente:
Ela não consegue se adaptar porque é diferente, só que ela não é menos que os outros, o problema é o que ela tem a mais, e ela tem mais cultura, mais informação, usa a cabecinha para pensar. Sim! Porque por incrível que pareça, após milhões de anos de evolução até nosso cérebro ficar como ficou, tem gente que não o usa.
E como o normal é a mediocridade, para sermos "normais" temos que ser medíocres!!
Só que é impossível alguém com alguma cultura retornar, nós não "involuimos", não voltamos para trás, o processo de aprendizado é sempre em direção à frente e ao alto.
Não significa, é claro,que tenhamos que nos isolar do resto do mundo, mas não podemos entrar em um processo de baixa auto-estima devido justamente à nossas qualidades. É o fim da picada!! Como se diz lá no Sul.
Falei longamente com ela. A aceitação de si própria (e da diferença) só virá com a idade, assim como imagino que aconteça também com qualquer outra diferença: de opção sexual, de religião, etc.. sempre é difícil quando se é diferente da maioria. Mas pelo Amor de Deus!! Não sufoque seu raciocínio e sua sede de conhecimento para ser apenas mais um na multidão!!
Vou terminar com uma frase da qual não sei o autor:
"Nunca é tarde para descobrir que não existe nem nunca existirá ninguém igual a você.
E ao invés de se tornar mais um patinho, escolha assumir sua condição inalienável de cisne!"
Quarentões, Internet e Rock'n roll
Lenise Marques
Estamos ficando velhos.... a linguagem dos jovens às vezes é ininteligível para nós!
Mas não os estou criticando! Está absolutamente certo! A vida anda rápido e não olha por cima do ombro para trás.
E não esqueçam que nossos pais tinham as mesmas queixas à nosso respeito. E era pior ainda! Na verdade, não há entre nós e nossos filhos o verdadeiro abismo que havia entre nós e nossos pais. Na época que os hoje quarentões eram adolescentes havia todo aquele espírito de contestação... hippies e etc..
Por exemplo, a música dos jovens hoje não nos choca como a nossa chocava nossos pais. Dificilmente aparecerá uma banda mais agressiva do que "Kiss" ou mais alternativa do que "Kreftwork"!
A música não nos pega desprevenidos, mas às vezes frente à um i-pod ou um "kd vc" (cadê você?) no orkut nos sentimos Matusalém!
O jeito é ver com bom-humor! Você lembra do mimeógrafo? Eu lembro! Máquina de escrever? Ganhei uma de aniversário de 15 anos. Conheci TV com 10 anos...Cruzes!
Bem, temos o consolo de que apesar de sermos do Período Mesozóico nos ajustamos facilmente à tecnologia (coisa que não aconteceu com nossos pais). Usamos internet, caixa-eletrônico e etc...
Somos quarentões, cinquentões e sessentões, mas... somos informatizados!!
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