"LETRAS CLÁSSICAS", POR HENRIQUE CAIRUS
Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, co-editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas -
Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/
Coluna da segunda quinzena de janeiro 2005
(próxima coluna: 04/02)
O cinema e os antigos
Não é novidade que os antigos , obras e personagens, sejam representados na grande tela. E não desejo ter a veleidade de historiar essas representações, nem no cinema, nem no teatro, como tão competentemente faz minha amiga Carlinda Nuñez. Dois recentes filmes, contudo, trazem-me a oportunidade de discutir aqui, neste espaço privilegiado, o que a Antiguidade tanto faz pelos nossos cinemas.
Dessa leva recente, desconsiderando-se os desenhos animados, há o filme Tróia, que ganhou vaias dos puristas literários e aplausos do nosso público, e, mais recentemente, Alexandre.
Muitos vão vê-los como quem veria Senhor dos Anéis ou outro filme dito épico. As referências históricas ou literárias apenas dão um leve tempero, como aquelas inscrições antes dos filmes jurídicos: “este filme baseia-se em fatos reais”. Nada mais.
Suas discrepâncias aqui e ali com os textos que lhe servem de base ou de referência provocam cólicas cruéis naqueles que esperam do filme o máximo de fidelidade àquelas obras. As palavras de ordens são: falseamento, deturpação, ausências, desvirtuação e até mesmo mentira.
Não é possível, claro, discordar de que alguém que veja Tróia não pode depor sobre a Ilíada. Assim como não se pode admitir que alguém saia do cinema dando aulas sobre o Império e o caráter alexandrino. E, embora isso aconteça, não faltarão bravos defensores da informação lida nos clássicos; ainda que essas informações retratem realidades claramente idealizadas e completamente sujeitadas à ação moduladora das transmissões textuais, orais e escritas, e que, mesmo nas suas origens, não deixem de ser criação de um imaginário social, político e cultural.
Esses soldados da precisão textual têm cumprido muito bem e bravamente o seu papel, mas não são raros alguns exageros do entusiasmo, e tais exageros quase sempre provêm de um didatismo autêntico e sincero, que quer apenas a maior pureza e autenticidade para os incautos incultos.
É preciso, está claro, esclarecer que a Ilíada não é o filme Tróia, que Pátroclo não é primo de Aquiles, que Menelau volta para casa, etc etc, assim como é necessário dizer que o Alexandre idealizado pela tradição (quase unânime) é um estrategista com aspirações imanentes e até transcendentes e que desenvolveu uma postura cultural inédita, improvável e que só ele poderia tornar possível.
Pode não ser esse o Alexandre do filme, e nem mesmo o continuador linear do projeto paterno, mas é um Alexandre. Assim como o Menelau que morre em Tróia é o Menelau. Não é o Menelau de Homero, é certo, mas é o Menelau, o Menelau do filme, e, ainda assim, Menelau.
Cada vez que a Antiguidade vai à tela, reacende-se um interesse vivo pela identidade cultural que essa Antiguidade confere, sustenta e referenda, como figura de proa e cenário de popa da nau da cultura ocidental.
Muitos encontram suas vocações para o estudo dessa identidade construída no seio do conhecimento desse passado imaginário a partir do contato com esses filmes. E são esses muitas vezes os melhores alunos dos cursos de História, Letras e Filosofia, onde, não obstante, essas pessoas ainda vão encontrar perspectivas ainda mais amplas do que as que imaginavam ao assistirem esses lindos filmes que a mim e aos demais comuns aprazem e instigam.
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